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Mostrando postagens de 2017

Pretérito imperfeito

Ó, lua, sinuosa lua, que traz-me os trastes pecados da alma, pesas-me nos ombros feridas de um trauma, lágrimas lavam marcas que a pele encrua. Já vi cachoeiras de lágrimas abundantes cortando o verde que tece a vida. Mergulhei em profundos olhos dormentes, mares onde almas se encontram despidas Mas jamais vi tão tortuosa dor escorrendo de um olhar forte e vivo. A voz que se escondeu fez-me decompor em todos os estragos de um calor invasivo. Não houve neblina que pudesse esconder os meus passos errados, loquaz e tementes. As vozes que se escondem sob o cobertor calaram-se na culpa que prendia-me a mente E não há tempestade que possa justificar, nem cortejo fúnebre dos futuros perdidos. Ao som turvo que entrava aos ouvidos não havia palavras capazes de acalentar. Havia mais pessoas apontando-me o dedo, algumas das quais estavam dentro de mim. Além de rimas pobres, pestana e nanquim, não há mais vieze...

A solidão de noites acompanhadas de livros e vinho tinto

Há quem diga que a solidão que me envolve nas noites frias a torna mórbida. E, principalmente, que toda essa retórica é uma pobre justificativa para a incapacidade de preencher as minhas noites com um pouco mais de alma. Ora, é certo que interações humanas são parte de nós, que aprendemos, crescemos e morremos por suas vias e conflitos de confiança, fidelidade e comprometimento. Mas ainda há "eu", como indivíduo, no meio de todo o "nós" que envolve-nos no dia-a-dia. Ainda que o companheirismo seja tão reconfortante nos momentos que as nossas almas clamam por afeto, eu ainda existo em toda minha individualidade de um ser completo e único. No momento da madrugada que eu abro uma garrafa de vinho tinto e aos poucos ele desce refrescando o meu paladar e esquentando minha garganta, tudo o que importa sou eu. É fato que estes momentos podem trazer consigo a tristura de um ser, pois, como eu estou em foco, ...

Os livros nos observaram dançar entre as estrelas

Como um raio de sol desluzindo a chuva e desenhando um belo arco-íris sobre nossas cabeças, a esperança segurou-me no colo e acalmou-me o coração, quando, pela primeira vez, meus sentidos reconheceram o seu toque. Tão sublime quanto o eclipsar do amor em dois corações ansiosos, foi o caminhar entre as histórias num mundo onde o presente é tudo que podemos viver. Não havia mais ruídos além da nossa respiração quando os livros nos observaram dançar entre as estrelas. Histórias de corações partidos tinham aos montes, entre as folhas de papéis ao nosso redor e dentro de cada um de nós, porém, nada pareceu quebrado sob o céu daquela tarde de sábado. As páginas cheias de tensão, medo, amor, suspense e humor contrastavam com as folhas das nossas memórias reservadas em branco para que pudéssemos escrever algo novo. Tinha início uma nova história e...

Verso

Verso, És adverso ao universo A melodia de tuas sílabas É tom disperso no subverso És, por vez, espelho E por outras tantas, apenas vidro cortante Rasgando-me a pele e refletindo O que me é amável e consonante Machucas-me mas me convidas A outra estrofe da tua poesia Estou meio dentro de tua sintonia Porém, minha mente é obstante Verso, És lindo por completo Doce e perigoso em simetria Do rebusco de tuas conjugações À retórica das tuas harmonias Verso, Apaixono-me por tua complexidade Ao mesmo tempo que és simples e direto Porém, já encantei-me por outras poesias Onde há palavras do teu alfabeto Verso, És averso ao inverso Tuas tônicas rimam com a minha incerteza Estás submerso no controverso

Impassibilidade

Faltaria-me dedos se eu tentasse contar o quanto eu desejei estar impassível. Aproveitar a serenidade das nuvens leves da primavera sem nenhum peso de um sentimento desgastoso. Mas não sentir nada não parece apenas como estar livre das correntes emocionais da minha alma, e sim manter-me preso na monotonia do meu ser. Em algum momento, a minha mente encheu-se de falsas satisfações. Eu não sinto nada e isso torna-se paradoxal pois eu estou com medo de não sentir novamente. Falta-me a esperança que facilmente perco enquanto espero previamente as despedidas. Parece que até tristeza é algo mais emocionante para sentir do que o tédio absoluto do ócio da minha mente, como parece está sendo agora. Sentimentos que facilmente eram vomitados nestas linhas de retórica pobre, hoje mal compõem um simples soneto. O único real prazer da vida é a degustação dos sentimentos e estes, sinto gradualmente que perco...

Good goodbye, Chester!

A tarde chuvosa de uma quinta-feira nunca pareceu tão fria aos meus sentidos. Pouco depois das 15:30, um amigo se dirige até mim, após uma aula de Circuitos Digitais, com expressão estranha e levemente abatida. Me abraça e pergunta como estou. Eu respondo que me sinto bem e sem coragem de voltar para casa em meio a tempestade de inverno que inundava o Recife. Ele pergunta se eu já sei e de imediato fico pasmo, pressentindo algo de ruim, tendo em vista sua expressão e os cumprimentos consternados. No exato momento viro os meus olhos no smartphone a na prévia do chat que se atualizava nas notificações, vejo o nome "Chester Bennington" em um dos grupos. Estive estagnado, preso no olhar que voltei para ele após ler este nome sem coragem de abrir o chat. Minhas mãos tremeram e as lágrimas se instalaram no canto dos meus olhos e, caros amigos, aquelas lágrimas pesaram anos de quedas, desesperos e superações. ...

Estação de trem

Eu queria deixar essa cidade e todos os seus detalhes mais lindos. Eu posso sentir a neblina trazendo o frio ao meu coração enquanto escuto as pessoas gritando e me avisando que por mais que eu ame essas lamparinas de esquina, o meu coração não pertence a este lugar. Mas eu continuo andando e me equilibrando no meio-fio, esperando o momento de cair e quebrar, ou alguém me avisar que os meus passos me trarão de volta a estas calçadas. Eu espero que alguém me faça acreditar que eu não tenho que deixar esses bosques cheios de vida. Mas tudo em volta quebra no mesmo ritmo que os passageiros embarcam no metrô. Então tente me convencer que aqui é onde os meus sonhos ganharão os seus primeiros esboços pouco antes de explodir em cores. Não me deixe pegar o trem, incedeie a estação ou me sequestre para algum sótão da casa de alguém, mas não me deixe à meio mundo de distânc...

O sol ainda não se foi

Não é hora de ir embora então sente-se e respire fundo. O sol estará esperando por você até o fim da tarde e voltará amanhã antes de você acordar. A juventude é uma árvores de galhos fracos em crescimento, não é incomum alguns se quebrarem. Eu sei, é difícil olhar para dentro e não entender o que está acontecendo, mas você ainda precisa lidar com o mundo desconhecido lá fora. Apaixone-se por uma música, uma garota ou um livro e seja o primeiro a encontrar o sol quando a noite não te acalmar. Não é fácil olhar para o tempo e perceber que ele está levando os seus amigos, um dia eu terei que ir também. Eu sou velho e minhas mãos mal conseguem terminar esta carta, eu já senti os meus galhos quebrando mas me ramifiquei. E ainda que tenha sentido o que a vida poderia me oferecer, meu coração ainda é tão leigo quanto o seu, como um jove...

Antigas memórias recentes

Na neblina, a surdina é um medo desprezível Põe-se em cheque as virtudes em virtude da alma Quando o desfoque do espelho não te permite se ver Nem o frio pertinente da tempestade te acalma Coração inconstante bambeia a canoa Num imenso mar verde de futuros dispersos A tempestade em teu ventre estremece os extremos Razão do teu coração fugir dos perversos O teu interior é revirado por memórias recentes Ainda que seja de histórias passadas por anos As nuvens se despejam em águas antigas E o chão vive encharcado afogado em seus danos Dois minutos te guardam quinhentas histórias Há razões escondidas em tua tempestade Estás cercardo por vozes mas ninguém te enxerga No segundo que se afoga em sua ansiedade

A tiara magenta: dê-me libertação

Continuação de ' A tiara magenta: últimas doses de morfina ', disponível em: https://goo.gl/Ljx3TR Desculpe-me, mãe, eu estive mentindo todo este tempo. Neste momento, eu estou a caminho de um lugar qualquer, eu ainda não sei, mas não se preocupe, eu estarei melhor que aqui se merecer. Desculpe-me, irmão, desculpe-me se te decepcionei, mas nunca esteve tudo bem, ainda que eu te respondesse o contrário todo este tempo. A vida é uma chave para a felicidade, apenas se faz necessário achar a porta onde a sua chave se encaixa. Algumas pessoas preferem jogar a chave fora e desistir. E eu não sei onde me enquadro. Eu deveria ter encontrado a porta há alguns meses e assim, distanciado-me um pouco das noites frias e silenciosas. Mas não adianta eu sair do desalento e este não sair de mim. Nestes últimos minutos, enquanto ainda há oxigenação em meu cérebro, eu descreveria a vida como um constante afogamento, com algumas tomadas rápidas de fôlego na superfície. E o que eu poderia de...

Bella

És bela como a tarde em que nos conhecemos ou como todas as vezes que nos olhávamos e ignoravámos, até isso se extender por outros caminhos que não pertenciam a nós. Mal sabendo que um dia teríamos refúgio no coração um do outro. És bela como a esperança que brota em meu deserto de incertezas, que eu insisto em regar mesmo sabendo o quanto tudo se mostra adverso. És bela como a paz que as tuas primeiras e últimas mensagens do dia me trás. És bela desde que te encontrei em meu caminho perdido e pude me perder ao teu lado, desde que deixei de me perder na vida e me perdi em teus olhos. Estando feliz por estar perdido, mas desta vez, na felicidade que estava definida na sintonia dos nossos sorrisos. És bela. E serias tu tão bela quanto, ainda que nunca tivesse te visto. Pois o que há de mais belo em ti independe do quanto eu admire as curvas do seu sorriso. O que há de mais be...

Te conhecer outra vez

Nós nos encontraremos outra vez e eu espero que neste dia eu já tenha me encontrado em toda a insegurança que afoga o meu ser. Talvez seja neste sol de inverno que tem seu brilho e logo depois é ofuscado pelas nuvens fartas prontas para derramarem-se sobre nós. E eu não tentarei resistir a você, pois os meus olhos te focam e desfocam todo o resto. Afogarei-me na imensidão dos teus cachos dourados quando o teu abraço tirar o mundo dos meus ombros por alguns minutos. Então transbordaremos amor e construiremos memórias, daquelas que doerá lembrar quando o vento te levar. Mas eu te amarei no nosso pequeno infinito, pois ainda que transitório, o amor escreve as melhores poesias em memórias vívidas de histórias eternas.

Dor, você me fez um sonhador!

Eu não preciso falar todas as palavras que guardo em minha mente para explicar-me por completo. Então, por favor, não diga-me o que eu posso ser, pois eu navego em meu próprio oceano de medos, incertezas e insegurança, e sei mais do que ninguém como alcançar cada litoral. Eu recolhi as minhas lágrimas do chão enxarcado, limpei as minhas feridas inflamadas, curei as minhas dores por planos rasgados ao meio e histórias com fins prematuros. Tive sonhos pisados e reaprendi a sonhar novamente, andando a par com o peso em minhas costas nas noites mais longas. Eles nunca viram as suas moradas lhes dando as costas e calando enquanto clamavam por socorro. Eles nunca souberam como cada amanhecer me moldou nem de onde veio a minha sorte e a minha fé, tampouco a esperança que brotou depois do longo período de seca em meu vale. Pois do fundo do poço, eu só podia enxergar o azul da imensidão celestial. E era a única ...

Contramão

O mundo desaba sobre os meus ombros A lucidez não parece uma boa companheira É inútil escrever uma vida inteira E precisar reescrever a cada novo verão Daqui de baixo eu não vejo quem me pisa A minha visão já não me ajuda em nada Estou tão longe que em minha estrada Só caminho com o vento e a solidão Não há como sentir orgulho do que me tornei Dividindo quarto com comprimidos vencidos Abandonando-me neste lugar escondido Para confortar-me em minha ilusão Não enxergo o sol há seis semanas A vida é uma flor que eu temo o espinho Só há um sentido em meu caminho Não lembro quando entrei na contramão

Sintonia e gratidão

Eu posso detalhar-te inteira em uma poesia Das flores em teu cheiro ao teu toque leve Que levita-me e leva-me ao encanto breve Quando nossos corações entram em sintonia Os contos que ficam em nosso cobertor Enxugam-me as lágrimas ao amanhecer Preenche-me o peito fazendo-me esquecer As tristes antigas histórias de amor É tão claro o jeito que clareias o meu caminho Conserta-me inteiro e faz-me andar sozinho Podendo correr e fugir do teu abrigo Mas sabes o que eu guardo em meu coração Inflamado e partido mas com gratidão Pelas noites em claro que passastes comigo

A tiara magenta: últimas doses de morfina

Os primeiros fracos raios de sol matinais começam a entrar pelas fissuras da parte superior da parede a minha frente. A geladeira onde meus pés encostam parece não estar ligada pelo absoluto silêncio que toma o último cômodo desta casa. O chão que me sento permanece frio como esperado tendo em vista a chuva que deu as caras timidamente pela madrugada e atenuou levemente a temperatura. Os meus sentidos perdem gradualmente a nitidez enquanto este vão estreito guarda as minhas últimas preces de desistência e o fogão apoia as minhas costas antes de meu corpo esmorecer e tombar para o lado. Há louças sujas em excesso na pia a minha esquerda, o filtro ao lado estava vazio e o micro-ondas preenchido de gordura. A situação neste lugar é deplorável, como se estivesse abandonado há semanas, como se não houvesse vida naquele pequeno espaço durante várias madrugadas. E de fato não tinha, desculpe-me mas terei que discordar da sua definição de vida. Este chão vermelho, que disfarça o quão encharca...

Eu não quero sentir a falta de ninguém

Eu posso te apresentar a porta de saída A minha mente não precisa da tua presença Deixa eu fixar a base na minha velha crença De que não preciso de ninguém na minha vida Eu não quero viajar no ciclo da tua respiração Ou despejar em teus ombros o meu coração E desertar-me de vez da pura lucidez Enquanto eu só enxergar os teus olhos azuis E ao amanhecer acordar com a tua luz Nunca saberei quando irei cair outra vez Quando eu fecho os olhos Você é a única coisa que me vem Pois eu sinto a sua falta E sentir a sua falta agora não convém Deixarei acumular as chamadas perdidas Mas não se perca pensando o quanto valeu A vida se dá a quem nunca se perdeu Pensando no próprio futuro em outras vidas Lembre-se que isso nunca será pessoal Ainda que este medo não seja normal Quem pode nos dizer o que é incomum?  Eu não quero prender-me ao amor casual E no final, perceber que nenhum sonho foi real A paixão nunca me levou a lugar algum  Quando eu f...

A cidade de veludo

Eu não sei de onde veio essas lágrimas nem quando o mundo começou a desabar sobre mim. Eu não lembro quando me perdi pelo caminho nem o meu endereço para voltar para casa. Eu não sei em qual abraço eu deixei o meu coração nem em que noite eu guardei os meus sonhos. As poucas coisas que eu sei é que eu não pertenço a este lugar. As pessoas aqui são vazias e olha que quem está falando isso é alguém que deixou o coração e os sonhos pelo caminho. Elas acham um novo amor a cada esquina e já planejam o seu final. As pessoas aqui ensinam a calar os seus sentimentos, condenar suas lágrimas, reprimir o amor e desaprender a demonstrá-lo. Segundo elas, os sentimentos expelem as outras pessoas e quanto menos você demonstra, mais atraente você se torna. E por algum motivo, eu estou começando a acreditar nisso. Nesta cidade se ouve barulho mas nenhuma voz, se vê multidões mas nenhuma pessoa, se falam aos montes mas nunca conversam. As pessoas aqui renegam as flores e colecionam ilusões, sem saber e...

O amor é renovável

Crianças, o último verão não foi algo muito agradável para quaisquer dos meus sentidos. Porém, todavia, ainda que a dor preenchesse os meus dias e mostrasse toda sua incandescência à noite, trouxe-me lições que eu precisava ter ciência. O amor não é eterno. A maneira com a qual eu aprendi esta primeira lição talvez tenha sido um pouco rude. Enfiou-me numa profunda confusão de sentimentos e despertou-me os meus mais antigos infortúnios psicológicos. Eu sempre fui uma pessoa com a cabeça no futuro, com sonhos não tão altos porém altamente inflamáveis. Construí um relacionamento baseado em sonhos e esqueci de construir o presente. Não culpo-me por completo e aconselho vocês, garotos, a não culparem-se também. Talvez o maior erro foi não perceber que o amor não é eterno, mas sim renovável. Estive tão seguro em promessas, sonhos e planos que não percebi o quão finito aquele amor poderia ser. Não busquei renovação. Não percebi que aquele amor tinha prazo de validade. Hoje, tudo parece tão c...

Dispersão

Não tragas-me mais teu amor, se é que isto um dia já passou-lhe pela cabeça. Não direi-me indigno, amor nunca é nobre demais para ser recebido por um coração complacente. Tragas-me uma xícara de café ou novas ideias, quem sabe um devaneio que nunca me sujeitei. Mas não tragas-me mais teu amor. Não precisei convencer-me de que não pertencia a mim esta cortesia, poupastes-me de todo o meu trabalho e ainda que rudemente, escanteastes o apreço que sentia ao te ver. Tragas-me um problema matemático ou uma teoria astrofísica, quem sabe um bom debate político. Mas não tragas-me mais teu amor. Pereci na esperança de que estas vozes que não dormem em minha parede traziam apenas falácias, mas provei o quão amargo podes ser enquanto queimava sob o mais alto sol. Tragas-me um bom livro britânico ou uma canção acústica, quem sabe um bom filme para uma tediosa tarde de verão. Mas por favor, não tragas-me mais teu amor. 

A consternação de um crepúsculo de esperanças

Não havia muitas nuvens no céu daquele vigésimo primeiro dia de novembro. O sol se punha com toda a plenitude merecida, em uma tarde de contemplação à sua luz. Os detalhes da vastidão celestial daquele fim de tarde se prenderam tão fácil em minhas recordações pois a ansiedade fazia-me focar e estudar cada evento em meu amplo campo de visão, como um detetive e sua cena de crime, ou um legista e seu cadáver, como forma de negligenciar e distrair-me da situação posterior a que me sujeitava. Então não é espantoso eu lembrar das quatro vezes que eu troquei de camisa enquanto sentia alguns refluxos pela minha garganta. Ora, a situação permitia tal inquietação — não que fosse necessário uma ocasião extraordinária para a ansiedade atacar-me em suas veementes crises — eu estaria prestes a encontrar a primeira garota que tiraria-me a tristeza e encheria-me de esperança após tantos meses à sombra do meu desconsolo. Borrifei meus vestes três vezes com o perfume mais agradável que tinha ao meu alc...

Cotovia

Por meio da madrugada, dos frios dedos que escrevem esta carta e dos sons que a noite me traz, o desalento guarda para mim seu último voto de confiança. Eu estou perdido, tanto na vastidão do cosmo que nos envolve, quanto nos devaneios moldados pela minha mente para me atormentar. Eu não preciso desta lucidez, não basta os reais revés do meu cotidiano bagunçado, a noite sempre colhe aqueles velhos problemas que no fundo não passam de sementes que o vento esqueceu de levar. A cada minuto, a minha cabeça vira palco para a peça principal de todos os meus erros e eu me perco na plateia. Eu não preciso lembrar disso. Eu não preciso lembrar. Deixe-me sonhar, deixe-me fugir de mim apenas por uma noite. Deixe-me apreciar a sinuosidade do cair de uma folha carregada pelo vento até tocar o chão, enquanto ouço o doce som de uma cotovia. Eu quero sonhar, pois quando eu acordar, verei que tudo está uma bagunça. E todas essas incertezas que me cercam acabarão com toda a esperança que eu plantei...

Princípio da incerteza

Como mergulhar no mar para fugir da chuva, prender-se em incertezas após passar meses a mercê de uma dúvida é, na mais clichê das analogias, um tiro no pé. Ora, a vida é uma grande dúvida, desde teorias sobre origem do universo até conspirações contra a ida do homem à lua. Nada é certo ou concreto. Não conhecemos totalmente nem um grão de feijão, como Heisenberg explica com o Princípio da Incerteza, quem dera a nós mesmos ou o nosso futuro. Podemos errar, temos que errar, o erro é tão necessário quanto todas as congratulações. E não há maneira racional de permanecer em algo monótono, constante e imutável, que vive sob o receio do próximo passo. Somos feitos de próximos passos. Somos feitos de erros. Deveríamos estar fartos de esperar da vida, ou do tempo, uma resposta. Não deveríamos viver a mercê de incertezas, sem nunca perceber que nunca teremos uma certeza se não arriscarmos. Então, somos cegos que não querem andar por medo de esbarrar em alguma parede. Viva, ande, se esbarrar em ...