Só mais uma rachadura

- Depois de tudo isso, depois desses quatro meses, ainda não acredita que eu a amava?
- Não, deculpa.
- Como não? Não sabes como doeu saber, naquela noite, que a presença dela não causaria mais o mesmo sentimento. Que eu nunca teria uma chance de sentir os lábios dela.
- Nossa, deve ter sido tenso.
- Foi, eu a amava.
- Que triste.
- Ainda não acreditas?
- Cara, não sou eu quem devo dizer o que tu sentia por ela, só quem sentiu foi você. Eu só falo que não acredito que chegou a ser amor, por conclusões próprias. Não queria te dizer isso, mas você perguntou o que eu achava, não poderia mentir.
- Suas conclusões não significam nada para mim.
- Então só ignore minha opinião.
- Não consigo, me diz um motivo relevante para me fazer acreditar que nunca foi amor.
- Não vai querer que eu faça isso.
- Óbvio que quero, prossiga.
- Bem, primeiramente, é no mínimo estranho usar "amava", não se passou nem um mês.
- Não sou feito você, não insisto no que me faz sofrer.
- Admirável.
- Seja menos irônico e mais objetivo, por favor.
- Não seja por isso. Na minha concepção amor é um estado absoluto, sem declives ou desfeitos. Quem ama, ama. Amar não deveria ser conjugado no passado, 'eu amei' é tão artificial. Quem ama é porque se importa, é porque ouvir um 'estou bem' dessa pessoa lhe deixa mais confortável. Sei lá, independente do que aconteça, se foi dolorido ou humilhante, saber que essa pessoa está bem lhe faz ficar melhor, por mais que, superficialmente, você demonstre insatisfação pelo que aconteceu e guarde um pouco, ou muito, de mágoa, lá no fundo, você se sente ao menos confortável por saber que aquela pessoa está bem. Não que isso seja idiotice, pelo resto da vida se importar por alguém que pode ter te rebaixado ou feito qualquer coisa ruim, sei lá, mas se você amou realmente essa pessoa, você vai querê-la bem porque sabe o quanto essa pessoa te fazia bem, às vezes com um abraço, um sorriso, ou só pela presença dela, já te fazia a pessoa mais feliz do mundo. E por mais que não seja o mesmo amor, você se importará, por mais que você não aceite, mas se importará.
- Lindo seu discurso, moralista. Mas ainda não me respondeu.
- Você não amava. Percebeu como a palavra conjugada no passado soa artificial? Mas, voltando. Você pensava mais em você do que nela. Você me disse que ela era a menina perfeita para você, e é perceptível como você expõe sua satisfação. Ela era importante quando te fazia bem, quando você estava satisfeito com ela, quando você se sentia feliz ao lado dela. E como era cômodo para você, você a queria por perto. Você reclamava dos relacionamentos que ela teve, e nunca perguntou à ela se isso a afetava. Você nunca perguntou se ela tinha alguma coisa que queria desabafar, que guardava à muito tempo. Você não deu espaço para ela se abrir com você, e você poder ajudá-la, pois não era sua prioridade, você não se importava com o que ela guardava dentro de si. Aposto que não foi proposital ser tão egoísta assim, mas foi exatamente assim. E a partir do momento que ela te concedeu apenas sua amizade, passou a ser incômodo para você. Não te fazia tão bem quanto antes. E você se afastou incrivelmente rápido dela. Porque ela te magoou, involuntariamente. Você esqueceu, o que restou, o que você sente agora, não é amor ou paixão. O que restou foi saudades dos momentos que você se sentia bem só por estar ao lado dela. E em semanas, você só fez procurar seus erros externos, o que você disse, ou o que você fez. Mas, talvez, só faltou uma verdadeira preocupação de acordar e perguntar se aquela menina dona do sorriso que te encantou guardava algo por trás que a sufocava. E parece que virou raiva. Raiva por ela não sentir o mesmo por você, como se ela escolhesse isso. E aos poucos foi esquecendo o quanto as mensagens dela de, às vezes, uma ou duas palavras te fazia dormir melhor. Assustadoramente, parece que só restou mágoa por ela não estar mais ali para você se sentir bem como sentia. E não se lembrou do quanto ela foi boa, porque, para você, ela só foi boa quando te fazia feliz. E depois do ocorrido, nunca mais perguntou como aquela menina dos 'boa noites' mais doces do mundo estava, porque já não importava mais os sentimentos dela. Pergunto-me quando realmente importou. É triste ver que não restou nenhum pingo de preocupação com ela, se ela está bem ou não, e parece que você nunca pensou nisso, parece que, para você, amar era só estar perto. Mas do que adianta estar tão perto se o que ela guarda o distancia. Se fosse amor, a felicidade dela seria sua prioridade. Me desculpa por tentar te mostrar a verdade.

Comentários