A menina que gostava de usar preto
- Como assim você já se apaixonou por outra?
- Não, eu não me apaixonei por outra, só não quero me prender tanto à ela. É perceptível que não há mais chances.
- Mas você não disse que era amor?
- Acho que me precipitei, todo mundo já usou o verbo 'amar' errado. Ou não, eu posso realmente amá-la, sei lá, mas não aguento mais seguir na vigília do erro.
- É confuso. Amor costuma ser assim. Mas ainda me impressiono por tu ter desistido tão fácil.
- Cara, eu não disse que desisti, só não insisto mais.
- Por que ainda duvidas que é amor?
- Tipo, amor se cria na felicidade, não estritamente, mas compensadamente. Você ama porque você se sente bem com aquela pessoa, mesmo sendo só amigos. Os momentos bons que vocês passaram compensam as dores. Comigo não foi assim, eu me apaixonei mal a conhecendo, só a via uma vez na semana, e, involuntariamente, fui pego por essa paixão. Eu fui acumulando medo, medo de tudo, dos meus amigos, dos meus pais, da escola, da voz dela. E desses meses, só se viu lágrimas e solidão. E amor não se faz assim. É triste saber que daqui à alguns anos, eu vou ouvir o nome dela e não vou me lembrar da menina que gostava de ler livros e de usar preto, que escutava minhas bandas favoritas, que tinha o sorriso de aparelhos mais lindo do mundo. Eu só vou me lembrar das dores, das frustrações, do desprezo, porque eu não tenho uma memória feliz com ela, e nunca vou ter. E depois de tanta gente me pedir para não ter esperanças, a pouca que tinha, morreu. E até tentei segurar, mas não consegui. Depois desses seis meses, eu me acostumei com o frio e o desespero, com as estrelas caindo e as paredes sufocando, com o silêncio na escuridão e a vista embaçada com as lágrimas. E, sem esperanças, eu só quero fugir desse sentimento. Não penses que eu a esqueci, ainda dói ouvir o nome dela. E eu me vejo cercado e preso, na trilha da culpa e da tristeza, tentando encontrar um caminho que me afaste desse peso que ainda me obriga a seguir. Se tiver uma chance, não penso duas vezes em tentar, se não, só procuro alguém que me levante e que me faça sentir vivo, que me faça feliz sem precisar adormecer. É desesperador não escrever o final dessa história, mas, se preciso, eu queimo todo o livro. Só vão restar memórias, que, coberta de angústia e dor, no fundo, terá apenas aquele primeiro 'oi' via Internet, que, em todos esses capítulos, foi a única parte que a frustração não foi protagonista.
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