Casa

Eu sinto falta de casa, entretanto, à essa altura, depois de tanto caminhado, eu já nem sei se "casa" ainda é isso que lembro vagamente. Eu mudei tanto desde então. Digo conscientemente que não sinto que sou uma única pessoa que simplesmente amadureceu todo esse tempo caminhado, isso tudo soa mais como um só que se transforma quando enfrenta o que enfrenta, assumindo as formas necessárias para não entregar-se de vez. Mas, apesar de tudo, sinto falta de casa, de ser quem eu era naquele momento. Não sei se aquele era o meu eu de verdade, sabe, é difícil ter convicção disso. Mas aquele parecia ser a mais lúcida de todas as formas que já assumi nestes últimos anos. E por isso que sinto falta de casa. Porque quanto mais realizado estou, menos realizado eu me sinto. E talvez tudo isso seja por que conquistei todo o pouco que conquistei longe de casa. Mas não é justo voltar para casa só quando a tempestade ameaça, para ter o prazer de ouvir o som da chuva do sofá, seco, quente, sentindo o cheiro do solo molhado. Não é justo só voltar para casa quando lá fora está me assustando. Porque foi eu que quis sair do meu lar para enfrentar um mundo que me engoliu na primeira oportunidade que teve. Eu sinto falta dos conselhos que as paredes me davam, do abraço do meu lençol na madrugada, do conforto de saber que mesmo de tão longe eu poderia voltar para os seus aposentos. Eu não sei mais como voltar, não sei qual linha de metrô embarcar ou em qual estação de ônibus descer. Eu sinto falta de casa, mas não sei o caminho de volta, nem se ainda me resta voltar, tampouco se minha casa ainda me reconheceria.

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